Cartas ao Sereno
Por Carol Farias, jornalista, mãe do Sereno, de São Paulo (SP)
19 de setembro de 2020
Carta aberta ao Sereno, para ser lida no futuro:
Oi, meu amor. Agora você não entende, mas quando crescer vai me perguntar como foi passar por essa pandemia e eu, com pesar, vou responder que te privou de conhecer o mundo. Eu queria te mostrar os quatro cantos da cidade, te levar a todos os lugares mais legais para bebês, brincar com você no mar e na piscina, te botar encima de galhos de árvores gigantes pra tirar fotos toscas, te permitir ter contato com todos os nossos parentes, para que você pudesse ouvir pro resto da vida de tias que você nem sabe o grau de parentesco: “eu te peguei no colo quando você era bebê”. Mas nós fomos privados disso. Logo eu, que queria te criar solto no mundo, passo com você seu primeiro ano presa dentro de casa.
Está sendo difícil passar esse tempo assim, Sereno. Mas uma das coisas que você me ensinou foi a ver o melhor que as coisas têm a trazer pra nós, e com sua alegria contagiante faz com que as coisas sejam mais fáceis de se aturar. Mesmo com o mundo se acabando porta afora, aqui tem dentro tenho o sorriso mais sincero de quem descobre um pouco do pequeno mundo que podemos te permitir explorar.
Eu te agradeço todo dia por me apresentar o melhor lado do caos.
26 de setembro de 2020
Carta aberta ao Sereno, para ser lida no futuro:
Você não teve a chance ainda de conhecer o mundo. A pandemia do coronavírus trancou a gente dentro de casa e já completamos oito meses de isolamento. Lembro muito bem quando você estava prestes a completar dois meses, tomaria todas as vacinas e seríamos livres para passear e conhecer vários lugares e pessoas.
Minha única resposta pra você agora é a música. Você tem a sorte de crescer em uma casa com diversos instrumentos e músicos que tocam pra você. E bota sorte nisso! Você já decidiu que seu favorito é o pandeiro, que ganha de lavada de qualquer chocalho de brinquedo.
Por aqui, tudo vira melodia: a hora de tomar banho ganha sua própria composição, assim como a soneca e o almoço. Do rock ao forró, cantamos, dançamos e tocamos, vivendo nossa vida como se estivéssemos em um musical.
Nesse universo nós podemos mergulhar sem medo, deixando pra sempre um valor que pra mim, é imensurável: a arte. Espero que você possa crescer sabendo que essa foi nossa resposta e busque significados na música. Nosso próprio idioma.
3 de outubro de 2020
Eu costumo dizer que o Sereno é o bebê mais sortudo do mundo. Parece que o tudo se organizou (ou se desfez) para que eu pudesse acompanhar de pertinho cada nova descoberta.
Eu estava lá quando Sereno descobriu que temos gatinhos em casa – e que eles odeiam quando puxam o rabo deles, quando ele sentou sozinho a primeira vez, e até quando começou a entender que tem vontades. Eu não teria essa chance se tivesse que sair todos os dias pra trabalhar. Eu entendi o quanto o momento que estou vivendo é especial, afinal, ele só será um nenê agora e eu com certeza vou sentir falta disso no futuro. Engraçado né?!
Penso nas milhares de mulheres que, ao se tornarem mães, precisaram ou escolheram se dedicar exclusivamente aos filhos. Se fosse comigo, não consigo imaginar quanto de mim jogaria fora.
Eu sei, a pandemia atrapalhou muita coisa, mas o tempo que eu ganhei pra criar vínculos mais fortes com meu filho tem valor inestimável. Teremos tempo de sobra pra conhecer o mundo, agora que a gente se conhece tão bem e tão de pertinho.
10 de outubro de 2020

Eu me lembro claramente dessa cena: meus olhos cheios de lágrimas, Sereno com poucos dias de vida e Nicolas, meu companheiro, na minha frente, me perguntando se eu queria chamar alguém pra cuidar do nenê por mim, depois de eu dizer que eu não sabia se algum dia iria gostar dele.
O puerpério me fez duvidar de mim e da minha capacidade de atender as necessidades de uma nova vida. Me trouxe pânico e muita cobrança, pois imaginei que minha vida ganharia sentido no minuto em que você chegou, mas não foi assim. Eu senti medo, muito medo. Como eu seria capaz de me doar por alguém que eu sequer conhecia? Os primeiros dois dias no hospital foram tranquilos, Sereno dormia bem, as enfermeiras o chamavam de bebê anjo e nenhuma fissura nos mamilos. Eu estava super confiante.
Parece que é só chegar em casa que as coisas desandam, né? O comportamento de Sereno não mudou. Sim, ele ainda é sereno (e acredite, essa é a pergunta que mais ouço), mas o fato de ter um recém-nascido que não dava trabalho fazia com que eu me sentisse mais mal. Como eu posso me sentir despreparada com um nenê que exige tão pouco? Estar presa a uma nova realidade me fazia sentir sufocada e eu implorei pra voltar a trabalhar. Eu sabia trabalhar, mas não sabia cuidar de uma pessoinha tão pequena.
Nos apresentamos e nos conhecemos mais a cada dia, na mesma proporção em que o quentinho do peito aumentou e eu comecei a reconhecer que o amor de mãe é realmente diferente, é o clichezão de ter um coração fora do peito, é uma missão desafiadora. A resposta à pergunta do Nicolas foi imediata. Nunca! Eu não sabia nada sobre cuidar de um bebê, mas ninguém faria isso por mim.
17 de outubro de 2020
Nicolas também demorou pra processar que teríamos um filho. Mas a ficha caiu muito mais rápido que a minha, seu coração se encheu bem antes que o meu, transbordando e capaz de me preencher. Um casal adolescente recém-apaixonado ficaria com inveja da gente, que não precisava de mais nada no mundo além de nós dois. Ou melhor, três.
Sereno nos ligou de uma forma diferente desde que apareceu a primeira vez em um teste de farmácia. Nós viramos um, nós três, e entendi finalmente o que é uma família. Isso mudou tudo em mim, inclusive minha relação com meus parentes.
Nicolas, você foi minhas pernas quando eu não pude andar, meus braços quando eu estava com os meus ocupados. Você sofreu por não poder ter um vínculo como o meu com Sereno nos primeiros meses, sempre disse que gostaria de poder amamentar e fez de tudo que estava ao seu alcance para que o bebê soubesse que você estava tão ali tanto quanto eu.
Nicolas é cuidador primário do Sereno e se dedica o dia inteiro, um pai incrível que mostra que nós não poderíamos ser mais sortudos. Essa jornada não poderia ser compartilhada com alguém melhor. Nosso mundo está completo com peças que nunca identificamos que faltava.
Que carta maravilhosa,simplesmente amei,realmente meu neto tem muita sorte de ter pais maravilhosos,vcs estão de parabéns.bju Deise
Sereno foi premiado com amor!