Culpa visceral

Domingo passado, Alexandra, Camila, Gláucia e eu marcamos de jantar somente as mulheres, sem crianças e maridos, para nos despedir da barriga da Gláu – a barriga ainda está aí, Rafael está com preguiça.

Na quarta, Alexandra, Gláucia e eu fomos a uma cidade próxima de São Paulo fazer vistoria em cinema e entrevistar mulheres para a equipe. Trabalho de um dia inteiro, terminou pouco depois das 18h. Já prevendo o horário de término, combinamos de jantar calmamente e só sair quando passasse o congestionamento.

João, com Max (em pé) e Eric

No jantar, Alexandra comemorou que era a segunda vez na semana em que estávamos fazendo uma refeição tranquila, regada a um bom bate-papo. Comentei que ao sair pela manhã e avisar meu marido, João, que as crianças ficariam com ele à noite – o que já tinha acontecido no domingo – senti culpa por achar que estava abusando.

Culpa: substantivo feminino (dicionário Houaiss)
1    responsabilidade por dano, mal, desastre causado a outrem 
2    falta, delito, crime

Estava deixando as crianças com ele por algumas horas pela segunda vez em (muito) menos de uma semana! Um crime, não acha? 
Por sorte, tive a sanidade mental de perceber o ridículo da situação: eu fico com as crianças sozinha no mínimo três vezes por semana, todas as semanas, porque o João chega tarde do trabalho. E às vezes, nem é trabalho: na terça ele tinha ido jantar com colegas. 
No meu caso, tenho um marido muito parceiro, trocador de fralda, banhador, alimentador e trocador de criança, incansável contador de histórias, cuidador para qualquer hora. Não reclama jamais quando peço que fique com as crianças. Claro que ele faz suas trapalhadas: coloca roupa que não combina, vez ou outra esquece de alimentar ou oferecer água, já fez uma mala faltando o essencial. Mas tenho certeza que se as crianças vivessem apenas com ele, sobreviveriam – e muito bem criadas. 
Então por que o peso na consciência, qual o motivo de tamanha culpa em efetivamente dividir a responsabilidade? Às vezes acho que brinco de dividir: ele troca algumas fraldas, dá alguns banhos, alimenta de vez em quando, mas na hora de EU ter os meus momentos, abro mão com a desculpa (esfarrapada) de não sobrecarregá-lo. Que herança ancestral será essa? 
Depois que fui mãe, percebi que relaxei em algumas características minhas: organização, pontualidade e limpeza não têm mais o mesmo padrão rígido que tinham antes. Bagunça faz parte, atrasos acontecem e tem sujeira, mancha ou migalha aqui e ali. Ter a vida invadida por mais vida tem estas e outras consequências: o amor é infinito, o cordão umbilical não se rompe. Entendi (pelas entranhas) o sentido da palavra visceral. 
É isso: acho que culpa faz parte do íntimo de uma mãe. E como tudo que está enroscado em nossas profundezas, é difícil de lidar e explicar. Afinal, qual mãe é explicável? 
João equilibrando dois filhos