Depoimento interno

Renata Boulos é coordenadora no CineMaterna em São Paulo. Frequentou as sessões com seu filho, Pepo, e está na nossa equipe há mais de quatro anos. Escreveu um lindo texto para o jornal da escola Grão de Chão, que seu filho frequenta. Reproduzi aqui porque, mais do que falar do CineMaterna, dá um depoimento sobre seu puerpério de forma precisa e muito, muito verdadeira.

Costumam dizer que com o nascimento de uma criança, nasce também uma mãe. Eu acredito muito nisso. Cada mulher vive a maternidade de um jeito e passa por experiências únicas – não existe verdade absoluta nesse assunto. É o bebê se acostumando com a vida fora da barriga, a mãe com a nova rotina e os desafios de um filho ou ainda ter de lidar também com o mais velho. Isso sem excluir o pai, é claro, também buscando o seu lugar nessa nova dinâmica em que ele também tem de assumir um novo papel. E cada uma encara de um jeito essa fase de pós-parto: hormônios, novidades, aprendizados, a opinião dos outros (afinal, todo mundo sabe mais do que você, mãe, sobre o SEU filho) e todo o pacote. São tantas emoções que muitas vezes nos vemos chorando porque a unha quebrou, porque o chá derramou e tentando, por horas, fazer as contas de cabeça (sim, porque a memória não é a mesma depois da maternidade) de quando foi a última vez em que conseguimos nos depilar. 

Bom, pelo menos foi assim a minha experiência. E lá estava eu, em casa, com aquele serzinho o dia inteiro grudado no meu peito, descabelada, com milhares de coisas ao mesmo tempo: trabalho, cobrança, contas, cólicas, cocô, cinema, cachorro, casa, e aaaaa, eu não dou conta!!!! E no meio desses pensamentos, epa, peraí… Cinema??? Sim, cinema!!! Como assim, cinema? E foi num desses grupos de discussão on-line de mães que o tema foi abordado. Do que você sente mais falta na maternidade? E eu, cinéfila de carteirinha pus a mente pós-parto para trabalhar: qual foi mesmo o último filme que vi? Foi aquele argentino? Não, não, naquele eu nem estava grávida… E por que não vamos ao cinema? E com essa ideia fixa na cabeça, um grupo de mães apoiadas umas pelas outras com seus respectivos bebês invadiram uma sessão comum, no Espaço Unibanco da Augusta (que agora é Itaú). E não é que deu certo? As mães saíram leves e bem mais felizes. E os bebês mais relaxados. 


A ideia foi crescendo e tomando um rumo: o CineMaterna. Em pouco tempo, já tínhamos uma sessão especial para as mães (e pais) e bebês no cinema da Augusta. Ar condicionado baixinho, luzes laterais acesas, som reduzido e trocador na sala. E não é que funcionou? As mães votavam com uma semana de antecedência no filme em que queriam ver e pronto! E depois de cada sessão, sempre tinha o bate-papo num café ao lado em que as mães tomavam um café, comiam um doce e compartilhavam com outras mães a sua experiência. Os bebês mais novos dormiam ou mamavam. Os mais velhos brincavam. Eu chegava em casa mais feliz. 

“Estamos criando uma nova geração de cinéfilos” alguém comentou. Só sei que uma rede de bebês e mães foi se formando. E quando o Pepo virou “de maior” (porque por volta dos 18 meses o bebê já começa a prestar atenção no filme e fica mais difícil) eu não consegui me despedir. Como tenho um trabalho flexível, mantive a minha tarde “sabática” dedicada ao cinema e me tornei voluntária nas sessões. Não me lembro de todos os filmes que vi, mas construí amizades verdadeiras e aprendi muito com cada mãe e sua maneira diferente de maternar. Já recebemos mães com bebês de dois dias e outras saindo pela primeira vez de casa com seu filho de oito meses. Pais, avós e até bisavós. E até hoje, mais de quatro anos depois, coordeno algumas sessões em São Paulo. Aliás, hoje o CineMaterna está presente em 51 salas em 25 cidades do Brasil. E aí, vamos ao cinema?

Ilustração de aluno do Grão de Chão, que acompanhava o texto.
Alguma dúvida do que é a cena?