Em segundo plano
Continuando minhas revelações culturais das férias, no Louvre, dois quadros levaram meu pensamento para longe. Sempre menciono como a mulher é protagonista da família enquanto está grávida, com sua bela e majestosa barriga, e torna-se mera figurante quando o bebê nasce: todos os olhares se voltam ao recém-nascido. É dele que as pessoas perguntam, querem saber o nome, olham e comentam.
Constatar que isso é retratado pelas artes foi uma surpresa. A leitura que faço do quadro não é religiosa, mas sim, a impressão que me passa. Toda a iluminação da imagem de Murillo, abaixo, está focada no centro do quadro, no bebê. É em torno dele que estão as pessoas e até a atenção dos anjos está voltada ao bebê. Consegue encontrar a mãe, que acaba de parir? Não, não é quem está segurando o bebê. Ela está no canto esquerdo do quadro, recuperando-se do parto.
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Bartolomé Esteban Murillo La Naissance de la Vierge, 1661 (O Nascimento da Virgem) |
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Aproximação do quadro, a mãe ao fundo, à esquerda |
Encontrei outro quadro, de mesmo nome, da mesma época, outro pintor. Novamente, o bebê no centro do quadro e das atenções, mãe ao fundo, recuperando-se.
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Annibale Carracci La Naissance de la Vierge, 1605-1609 |
Não sei se o cenário é realmente esse ou é apenas imaginação minha, mas vale a reflexão. Nasce uma mãe e morre nossa atenção a ela. Ninguém repara ou pergunta pela mãe.
A mulher sofre alterações hormonais e físicas, mergulha em uma nova relação emocional, passa por uma reconfiguração da família e espera-se que ela cuide de si e do bebê. Não raro, ela ainda se propõe a fazer isso sem ajuda, o que torna os primeiros dias pesados e difíceis. Ela, tão acostumada com as inúmeras responsabilidades de uma vida profissional atribulada, perde-se no meio da vida doméstica e ainda sente-se mal por isso.
O instinto materno faz com que a mãe tenha todos os seus sentidos voltados para sua cria, esquecendo de si própria. Na minha opinião, somente estando bem física e mentalmente, uma mulher consegue fortalecer seu vínculo com seu bebê. Arrumar-se, conseguir criar uma rotina e sair de casa para espairecer, ajudam a quebrar o ciclo “pijama, choro e comida fria” que nos deparamos no puerpério.