Texto originalmente publicado na revista Pais & Filhos, edição de novembro de 2014.
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Max (esq), o apaixonado por histórias, entretido com seu irmão Eric |
– Mãe, conta uma história?
Ouço esta frase várias vezes ao dia. Às vezes é um pedido mais específico, algo como “conta a história do monstro submarino contra o dragão chinês”. Mas no começo, era genérico, um simples conta-uma-história. Do nada, sem tema, sem contexto, nenhuma dica. Lembra da redação de tema livre? Para mim era um sofrimento estar diante daquele papel em branco pedindo para ser preenchido.
Hoje, mãe, continuo com receio da redação. Essa coisa de inventar história não é comigo. Uma amiga me disse que também não é boa de inventar histórias e acabou desenvolvendo a técnica de falar de sua infância, de suas travessuras. Seus filhos morrem de rir, afinal, para eles é muito engraçado pensar que sua mãe já foi criança e que, ainda por cima, aprontava.
Na verdade, falar não é meu forte. Adepta do lema dois-ouvidos-e-uma-boca, sou muito melhor ouvinte. Junte isso ao pânico da redação sem tema e pronto, armado o cenário para a penitência materna, minha armadilha, a hora de me sentir incapaz.
Meu filho mais velho, Max, ama ouvir histórias. Pede na hora de dormir, pede no carro, pede enquanto caminhamos, pede enquanto faz um (sempre demorado) cocô. É incansável, não enjoa, não desiste. Acostumada com as mudanças de gostos dos meus filhos, fiquei esperando que fosse uma fase e que, como vários de seus interesses, aquilo passasse. Mas não, ele gosta mesmo, não mudou.
Pois é, não aprecio contar história. Com tema ou sem, curta ou longa, com vários ou escassos em personagens, com efeitos especiais ou não. Não gosto, me cansa, tenho preguiça. Meu marido é um excelente contador de histórias, as mais absurdas, criativas e lindas. Em qualquer hora, em qualquer lugar, com qualquer tema.
Quando Max começou com esta de conta-uma-história-aqui-e-agora, confesso que por vezes me irritava. Ele insistia, às vezes eu cedia, mas com o tempo, percebi que não sentia prazer naquilo, virava uma obrigação, quase uma tortura. Ainda mais que eram algumas vezes ao dia. Era penoso admitir aquela falha no meu currículo materno. Aqueles olhos curiosos e sua voz de criança aumentavam ainda mais meu sentimento de culpa. Quando ele pedia para o pai, então, era pior ainda, me sentia derrotada. Batia um peso na consciência, sofria, tinha a sensação de que não havia me esforçado o suficiente, afinal, poderia falar qualquer coisa que a questão estaria resolvida.
Aos poucos, após refletir (e me irritar e me chatear e me culpar) muito, entendi que não precisava dar conta de tudo. Sim, meu filho gosta de ouvir história e seria muito bom se eu conseguisse satisfazer esta sua vontade. Mas era ilusão achar que bastava um esforço para superar esta barreira. Contar história exige muito mais que simplesmente soltar palavras, por mais maluco que seja o enredo. Exige que partilhemos de um sentimento, de um prazer, de um olhar, é um abraço regado a palavras.
Abdiquei do posto de mãe-faz-tudo e entendi que tem coisas que não faço e ponto. Resumo em uma página o que me levou alguns anos para aceitar: que há aspectos da maternidade que não estamos a fim de encarar. Afinal, sou ótima para jogar, cantar, abraçar, correr, ler livros, dançar, pular, beijar, entender quando algo não vai bem, além das inúmeras questões práticas no cuidado com os filhos.