Maternidade cinéfila

Em São Paulo temos um circuito cinéfilo composto por duas salas: Espaço Unibanco Augusta e Frei Caneca Unibanco Arteplex. São cinemas na região central da cidade em que passam filmes chamados “alternativos”. Filmes europeus (franceses, alemães e ingleses), argentinos e americanos não-comerciais são a maioria. O público é pequeno, mas cativo e aparece semanalmente às terças-feiras.

Esta semana o filme foi Confiar. O tema é bastante pesado para mães com bebês, pedofilia pela internet. 
Após pensar muito Will (Clive Owen) e Lynn (Catherine Keener) resolvem presentear sua filha Annie (Liana Liberato) com um computador. O casal está convencido de que havia criado seus três filhos em um ambiente aberto e saudável e que já poderia confiar em Annie. Quando Annie faz um novo amigo pela internet – um garoto de 16 anos chamado Charlie que ela conheceu num chat de relacionamento, Will e Lynn deram toda a atenção. Sentaram com a filha, conversaram sobre o assunto e viram as fotos que o menino tinha enviado. Quando Annie e Charlie marcam um encontro, sem que os pais dela saibam, o que acontecerá em apenas 24 horas irá mudar a família para sempre.

Vetei o filme no momento em que li a sinopse. Por desencargo de consciência pedi opinião ao Christian Petermann, crítico de cinema que nos assessora com o conteúdo dos filmes. Sua opinião me incentivou a colocar na enquete do “circuito cinéfilo”:

Fiquei impressionado com o Ross – rs [a direção é de David Schwimmer, o Ross do seriado Friends]. Quem diria que ele poderia dirigir com tanta elegância e sensibilidade, um drama tão delicado. O filme é “bonito” nas cenas mais pesadas e muito bom em texto e interpretações (a garota é ótima!!!). Acho obrigatório para pais, nada sensacionalista e atento à psique adolescente.

A película ganhou enquete no CineMaterna. Eu não podia perder. Quando cheguei, encontrei uma mãe na bilheteria dizendo que tinha ido nos conhecer, não fazia ideia do que íriamos assistir. Falei do tema e ela ficou indecisa. Sugeri que não assistisse, que viesse depois para o café ou na próxima semana, poderia  “estrear”em outro dia. Ela concordou e foi embora. Minutos depois, estava na sala quando a vi entrar. Resolveu arriscar.

Durante o filme minha cabeça fervilhava. Sensibilizava-me pelas mães de meninas ali presentes quando me dei conta que pedofilia é implacável com meninos também. Elocubrei sobre a futura adolescência dos meus filhos (dois meninos), em suas personalidades, pensei sobre o carinho e suporte que oferecemos como pais, o impacto disso em suas auto-estimas. Qualquer mãe (ou pai) faz tudo para proteger a vida de seus filhos e sofrerá ao perceber que é tão incontrolável quanto a sua própria. Está aí a magia e a perversidade da vida.

Mal acabou a sessão, ainda no escuro, a mãe neófita me encontrou para dizer que adorou o filme. Fui embora emocionada com ela e com a película.
Na próxima semana, o filme no CineMaterna será O Dia em que Eu Não Nasci. Não poderei estar, tenho lançamento em Tamboré (SP). Por isso, assisti por conta própria, sem nenhuma expectativa e saí surpresa com o roteiro.
Em uma breve passagem por Buenos Aires, a caminho do Chile, Maria sente uma estranha fascinação por aquele lugar, despertada por uma canção de ninar que ouviu e começou a cantarolar. Interessada pela cidade, decide permanecer mais tempo. É surpreendida pela visita de seu pai com a revelação de que, na verdade, ela viveu seus primeiros anos na Argentina, antes de ser adotada e levada para a Alemanha. A partir daí, inicia uma busca por sua família biológica.

Adoro filmes que me surpreendem, cativam, fazem mergulhar na história e refletir. Senti raiva, compaixão, angústia, dúvida e reafirmei que o mundo não é dicotômico. Aliás, fugindo à regra de traduções péssimas de títulos de filme, o desse é excelente.

Esta é a porta que se abre quando entro na sala escura, no mundo paralelo em que sou outra pessoa, vivo outra vida. É a forma que encontro para compreender o ser humano – ou pelo menos, tentar.