Memórias do leite

Vida materna tem coisas assim: a gente passa os dias repetindo gestos peculiares e muito típicos de uma fase. Passam alguns anos e nos esquecemos completamente. Alguns são amorosos, outros irritantes. Cheiros, sons e texturas que marcam uma fase da maternidade, em um período em que os sentidos estão aguçadíssimos.

Outro dia, fotografando uma sessão, me deparei com o “acessório” abaixo, à direita:

Um absorvente para seios. Ver um desses traz à memória uma série de lembranças. Usei por mais de um ano no primeiro filho e alguns meses no segundo, o que me deixou com a ideia romântica que meu corpo se adaptou à quantidade de leite a ser produzido. Se é isso mesmo ou não, não sei. Não era muito fã do absorvente, era um passo a mais na amamentação: tirar do seio e ficar segurando – ou colocar em algum lugar, como no bolso no sling. Sim, claro que perdi alguns e fiquei elocubrando o que pensaria a pessoa que os encontrasse.

Enquanto algumas mães que amamentam nunca chegam a necessitar de um absorvente para seios, outras “vazam” sempre. É fascinante ver que o bebê pega em um peito e, ao começar a mamar, o outro começa a pingar leite. Às vezes, jorra, esguicha, uma imagem que só quem acompanha um puerpério na intimidade, presencia.

Tem o formigamento no seio, alguns segundos ou minutos após o bebê começar a sugar, sinal do leite que está vindo. Aí vem o olhar, os gestos, a relação, o vínculo com o bebê, que, ao mamar, ri, mordisca (com gengiva ou com dentes), fala, passa a mão no nosso rosto, larga o peito e o deixa exposto. Meu segundo filho tinha mania de ficar mexendo no bico do outro seio. Era um tanto irritante, apesar de hoje, eu lembrar disso com carinho.

Esse segundo filho, aliás, mamou de um peito só, o esquerdo. Esta jornada rumo ao único seio foi curiosa. Desde recém-nascido ele “reclamava” ao ser colocado no seio direito. Ficava inquieto, chorava. Na ânsia de alimentá-lo, colocava-o do lado esquerdo. Quando percebi, ele só mamava no seio esquerdo. Lembro-me de ter ficado contente com o lado que ele escolheu porque assim, ficava com a mão direita livre para comer. As sutis alegrias do puerpério. Em poucos meses o seio direito regulou a produção à nenhuma demanda e diminuiu de tamanho, enquanto o esquerdo estava enorme. A consequência é que eu tinha o seio esquerdo muito maior que o direito – e o pavor de ficar assim pra sempre. Logo descobri que não havia este risco, “voltei” ao normal, finda a amamentação.

Sou sortuda, não tive grandes dificuldades em amamentar. Mas não posso deixar de comentar sobre as dores e dificuldades da amamentação, que para muitas mulheres, dura por todos os meses em que se amamenta. Leite vermelho de sangue, muitas lágrimas derramadas. Para algumas, frustração, tensão e dor, que acompanham um gesto que achamos que será natural e instintivo. A nós, que estamos de fora, nos resta apoiar: levar água, ficar com o bebê para a mãe descansar, ter um olhar empático e sem julgamento e, acima de tudo, respeitar a decisão que esta mãe tomar em relação à amamentação. É isso que praticamos no CineMaterna: o mais profundo acolhimento às escolhas maternas.